Crónica de Alexandre Honrado | História transtornada

Alexandre Honrado

Crónica de Alexandre Honrado

História transtornada

Assistimos ao triunfo de uma barbárie que age em nome de uma aparente lealdade e que, todavia, não é mais do que uma nova dimensão do crime organizado, dos grandes negócios de armas e dos narcotráficos e dos interesses de países poderosos que, em tempo de crise, relançam as suas economias com a desfaçatez dos objetivos — e a ignorância do que é humano na jornada. Os deuses, todavia, ficam imunes ao que os homens fazem em seu nome. Permanecem vivos mesmo quando os homens morrem, em vão, por eles.

Séneca, um contemporâneo de Cristo, intelectual espanhol (de Córdova), dizia que “todas as coisas são estranhas, só o tempo é nosso”. Podemos admitir que a afirmação parecia lícita até aos alvores do século XXI: todas as coisas do mundo eram realmente estranhas, mas o tempo, essa convenção de ficções e de espartilhos, parecia ser nosso. Muito nosso. Deixou de ser, no entanto.

Os cientistas sociais procuram uma explicação abrangente, que explique o tempo tal como se perdeu nos últimos anos: Israel e Palestina, Putin e Ucrânia, Ruanda e genocídios, torres gémeas, o Estado do Iraque e do Levante, Atocha, Boston, Síria, os mortos no Mediterrâneo, as guerras Jugoslavas, a Guerra do Kosovo, todos os atentados, até ao tiroteio na Chéquia, a confusa argumentação religiosa num mundo que afinal enferma apenas do político e do económico que promovem as batalhas pelo poder.

Hoje, andamos às apalpadelas e sofremos o que os nossos instintos ditam, com novas formas de pensar, de sentir e de agir, e por vezes estranhamente reagir, que não entendemos. A ocidente, os anos 80 e 90 do século passado pareciam ser de crescimento (económico), isto é, de grandes lucros, não tributados, dos ricos, e da permissão, aos pobres, da ilusão do consumo. À euforia da mão de obra barata a par do dinheiro barato e o endividamento seguiu-se a especulação sem controlo, dos bancos — e a grande crise internacional, com a América como vértice.

A crise de 2008 seria o culminar de uma queda vertiginosa.

É neste quadro de falência civilizacional de modelo capitalista (que acabou por transferir as dívidas dos bancos para os governos nacionais e estes para o conjunto da sociedade arruinando as pessoas com o programa extremamente severo da austeridade) que emergem divisões profundas que colocam as pessoas sob chancelas do que afinal tem outros contornos. Não somos quem somos – porque não nos deixam ser. E essa é uma das facetas da história transtornada deste mundo em que vivemos.

 

Alexandre Honrado

 


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado


 

Partilhe o Artigo

Leia também